18/04/2013

Maurício Penha na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Discurso de José Carlos Boura - Presidente da Direção da Fundação Casa-Museu Maurício Penha, na abertura da 1.ª Exposição de Escultura de Maurício Penha, na UTAD, no ano do centenário do seu nascimento (1913-2013), no passado dia 9 de abril, junto da galeria do Ciclo Cultural da UTAD, onde se encontra a referida mostra até ao dia 30 de abril.

"Boa tarde, a todos, senhoras e senhores:
Antes de tudo quero agradecer pessoalmente à Senhora Professora Drª Olinda Santana e na sua pessoa saudar a agradecer à Universidade de
Trás-os-os Montes e Alto Douro a oportunidade para celebrar o centenário do nascimento de Maurício Penha , e para divulgar a sua obra.
Quero, também, agradecer a vossa presença e espero que estas breves palavras sirvam para vos ajudar a reflectir sobre este tempo inominável.
Quero deixar aqui meu muito breve testemunho sobre o artista que estamos a homenagear.
Conheci Maurício Penha desde a minha infância e conheci-o, particularmente bem na última década de sua vida.
Alguém pode ser biografado pelos últimos anos de sua vida?
É evidente que não.
E como não cabe nesta forma de intervenção uma descrição exaustiva do seu percurso quer como artista quer como homem, resta-me falar , em
traços largos do que fez ou não fez.
Maurício Penha deixou uma vasta obra no campo da Arte - mais de 400 peças de escultura, cerca de três mil fotografias, desenhos, gravuras,
pintura. Foi arqueólogo amador e foi escritor.

Mas foi, acima de tudo, um fundador.
Esteve directamente ligado à criação do Clube Desportivo da sua terra, à criação da Associação Social e Cultural de Sanfins do Douro e acabou por
criar, em 1989, a Fundação Casa Museu, com seu nome próprio que vai servir para recolher e divulgar a sua obra...(aqui vos deixo o convite, expresso, para visitarem a Casa Museu Maurício Penha, em Sanfins do
Douro).
Chegado a este ponto levanta-se a questão: era (é) conhecido?
A resposta é não! ( Ou sim era conhecido dos seus muitos amigos.)
Era famoso?
A resposta é definitivamente, não! (ou talvez sim para os seus muitos amigos...)
E porquê? (Por muitas e variadas razões).
Aqui é que entra a obra de Arte como mercadoria (e o seu autor como primeiro "marketeer").
Penha esteve praticamente fora do Mercado porque esteve sempre à margem dos sistemas de "ranking"e ao tempo também não havia Msn,
nem ICQ nem LinkedIn onde ele pudesse de certa forma promover-se e escapar (se soubesse informática) aos critérios monolíticos das políticas
culturais dos tempos de Salazar.
Era, já, um triplo A mas ao contrário.
E como todos sabemos (desde os bancos da Escola Primária) existem alguns sistemas de ordenação ( ou de "ranking", como queiram) que implacavelmente classificam com mais ou menos adequação o EU, sem
directa referência a qualquer obra realizada.
Esta mania taxonómica é aquilo que os sóciólogos do Mercado reputam como a "mais pura expressão do mercado global do eu-mercadoria".
E o exemplo que todos conhecemos é o Facebook; o dado mais imediato do seu valor de mercado é o número de amigos que se têm. (depois entra o
"cálculo puro" quantos desses são bem relacionados, quantos são célebres, quantos estão in, etc, etc).
Esta hora estão as senhoras e os senhores a perguntar: mas este fulano veio aqui falar de Maurício Penha ou do Facebook?
A resposta é: de ambos.
Ao falar do Facebook (como protótipo das redes sociais fazedoras do "Eu") pretendo vincar, exactamente, que Maurício Penha apesar de ser
um alvo de repressão política,pelas suas convicções, apesar da censura social, pelos seus costumes extravagantes, apesar de ser pouco conhecido e
de estar fora do Mercado e dos "rankings", obteve dos seus inúmeros amigos e camaradas de ideias o profundo reconhecimento e gratidão pela sua teimosa bondade quase cristã.
E pela sua perseverante militância política.
Reconhecimento esse que se estribou na obra que Penha foi criando pacientemente ao longo de décadas sem que conste que tivesse que recorrer ao Prozac para se aliviar de alguma crise de personalidade ou de
ansiedade mais aguda.
Com crises de inspiração ou sem elas é ponto assente: Maurício Penha foi, também, um grande trabalhador no agro da Arte.
E aqui levanta-se outra questão:( afinal eu vim ao sítio certo onde vivem os melhores profissionais a "levantar questões" ) até que ponto Maurício
Penha é um "desconhecido" ?
Todos sabemos que a Psicologia existencial mais comezinha mostrou a profunda necessidade humana de "ter importância", de fazer e mostrar a diferença, de sentir que se tem um objectivo nesta Vida e neste Mundo.
Todos sentimos a necessidade de ver reconhecido o que fazemos, e o que fazemos ter "importância" no quadro-referência da experiência-própria.
Se há algo que o escultor Penha sabia perfeitamente era fundamentado numa espécie de sabedoria popular reforçada pelo conhecimento que o convívio com a arte lhe proporcionou e que consistia no simples reconhecimento do
facto de que os gostos mudam - e mudam tanto m ais rapidamente quanto maisa sociedade torna o gosto uma mercadoria.
M. Penha conhecia perfeitamente a natureza efémera da glória.
E sabia também que as tentativas de demonizar a luta pela fama - os tais quinze minutos, dizem, a que qualquer mortal aspira - não leva em conta
uma profundíssima aspiração da psique humana.

A psicologia dita existencial mostra que esta luta é um dos módulos que a Humanidade tem para lidar com a morte; outras alternativas: o fanatismo religioso ou político, passando pelo moralismo de capela, ou pela atroz
intolerância tem como consequências danos muito maiores que a luta pela fama, que na pior das hipóteses produz celebridades transitórias
desprovidas de qualquer substância e conteúdo, e na melhor das hipóteses sempre reverte em alguma excelência.
É neste universo "mental-cultural" que Penha "escolhe",de certa forma,"abdicar" do reconhecimento público e deixar-me, que o conheci pessoalmente, esta lição de vida: a Arte só tem significado ao serviço da
Liberdade humana.
O resto é Mercado.
(Sanfins do Douro, 8 de Abril de 2013)"

1.ª Exposição de Escultura de Maurício Penha na UTAD

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